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As ONGs abusam da ajuda humanitária na África?

Entrevista com Carlos Cambuta, o director geral de ADRA- Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, uma organização da sociedade civil que trabalha em prol da promoção do desenvolvimento sustentável em Angola, através de implementação de projetos de apoio ao desenvolvimento das comunidades e também através de apresentação de propostas concretas ao executivo e outros actores, no que diz respeito a defesa e valorização dos direitos humanos.

O debate sobre qual deve ser o papel das ONGs na África ainda está em aberto. São estas organizações angolanas que apelam à necessidade de refletir sobre a abordagem da ajuda humanitária. Embora muitas se tenham dedicado à ajuda humanitária tal como a conhecemos, existem outras organizações que tomaram um rumo diferente. Em Angola, existem ONGs que promovem o desenvolvimento sustentável, apoiando diretamente as pessoas em situação de vulnerabilidade. O que precisa realmente o continente da cooperação internacional? Sobre este tema conversamos com Carlos Cambuta, o director geral de ADRA, Angola.

The Sherwood Way (TSW): Sendo a África a região do mundo com mais cooperação internacional, qual a sua importância para o desenvolvimento do continente?

Carlos Cambuta (C.C.): África é um continente com bastante potência, é um continente que de facto é o berço da humanidade. No entanto, tem consigo inúmeros desafios, nomeadamente a capacitação de recursos humanos, de tal modo que esses recursos humanos venham a ser cada vez mais capazes de explorarem os recursos naturais à sua disposição e, por conseguinte, a utilização desse recurso de forma transparente para desenvolver o continente.

TSW: Como dizia Skinner em 1996, «Ao dar demasiada ajuda, adiamos a aquisição de comportamentos eficazes e perpetuamos a necessidade de ajuda»… Chinua Achebe da Nigéria e Wangari Maathai do Kena também já disseram o mesmo no passado…

C.C.: Em relação a cooperação para o desenvolvimento, sou de opinião de que ela é fundamental.

Nenhum país se desenvolve sem, efetivamente, estabelecer parcerias com outros países. Aí está a necessidade de outros países africanos; conjugar esforços para que possam partilhar experiências e conhecimentos entre eles, não só entre os países africanos como também com os demais países do mundo. Creio que este entendimento é que deveria ser o ponto principal para desenvolver-se mais as parcerias e as cooperações.

TSW: Ajude-nos a matizar um pouco, temos a certeza de que existe cooperação e cooperação …. Qual delas continua a ser necessária?

C.C.: Um desafio que se coloca no campo da cooperação para o desenvolvimento é a questão da dependência. Ou seja, quem tem recursos financeiros ou mais este tende a dominar a agenda, a dominar os seus próprios interesses. Por isso, é que dizia atrás há toda uma necessidade de os países africanos investirem na ciência, investir na tecnologia, enfim, investir em educação para que tenham recursos humanos com capacidade não só para explorarem os recursos da sua disposição, mas também para fazer as melhores escolhas sem ficarem muito na questão da dependência. Porque a dependência certamente tem suas limitações que não é aconselhável.

É importante que os países africanos continuem a trabalhar neste espírito de promover o desenvolvimento a partir de recursos endógenos sendo os exógenos importantes no quadro de complementar os esforços locais.

«Aí está a necessidade de outros países africanos; conjugar esforços para que possam partilhar experiências e conhecimentos entre eles, não só entre os países africanos como também com os demais países do mundo».

-Carlos Cambuta.

TSW: As notícias que chegam de África têm a ver com guerras e fomes…. E o trabalho das ONG é eminentemente humanitário…. Perguntamo-nos sobre a importância para o continente do trabalho sobre os direitos humanos, a luta contra a corrupção, o extractivismo, a governação, algo que acaba por ser associado mais ao tipo de cooperação em países de rendimento médio como a América Latina… não sabemos se esta separação ajuda…

C.C.: Eu gostaria de dizer que há toda uma necessidade de se aprofundar o debate sobre o papel das organizações não governamentais. Na verdade e em rigor o papel das organizações da sociedade civil tem estado a desenvolver e a evoluir no tempo e no espaço. Pelo menos em Angola, hoje nem todas as organizações têm como foco as ajudas humanitárias. Estão mais voltadas para a promoção do desenvolvimento sustentável por exemplo, a ADRA embora tenha no seu quadro estratégico ações de apoio direto às pessoas em situação de fome, de pobreza e de vulnerabilidade social o seu foco tem a ver exatamente com empoderamento das pessoas porque entendem que é por via do empoderamento que essas pessoas poderão ser capazes pra dar resposta aos seus próprios problemas.

Então a toda uma necessidade de se aprofundar o debate sobre o papel das organizações da sociedade civil, de facto na África é verdade que as ajudas humanitárias são importantes, mas temos que compreender que esses tipos de ajuda não concorrem para a promoção do desenvolvimento porque remetem muito as pessoas na questão da dependência.

Uma outra nota importante a frisar tem a ver com o facto de que em África, duma forma geral, são dadas raras visibilidades sobre as boas práticas de desenvolvimento local é mais fácil de chegar ao exterior o que não corre bem do que aquilo que efetivamente corre muito bem. Penso que em África existem boas experiências e essas podem até influenciar o próprio mundo, vejamos por exemplo em Angola algumas comunidades onde famílias não tinham possibilidades para poderem desenvolver alguma atividade económica hoje já desenvolve atividade económica, estamos a falar de famílias que antes não tinham nem sequer recursos para poderem desenvolver agricultura em meio hectar, hoje já tem 3, 4, 5 hectares portanto, já vivem dependentes dos seus próprios recursos sem portanto dependerem das ajudas externas. Creio que essa é uma boa prática que a própria comunidade internacional precisa também compreender.

TSW: Como é que ligamos isto à reflexão sobre a localização e a descolonização da ajuda?

C.C.: É preciso compreender que o conceito ajuda, deve estar voltado ao empoderamento. É aquilo que Paulo Freire um dos maiores, pedagogos frisou de que as pessoas precisam de reinventar-se as pessoas têm de desenvolver a sua consciência para efetivamente ser capaz de dar resposta aos seus próprios problemas. E eu creio que nessa lógica que se deveria interpretar a ideia de ajuda no sentido de assistência técnica, assistência metodológica, a ajuda no sentido de apoio, não é ajuda humanitária. Mas é entenderem que há toda uma necessidade de disponibilizar meios que possam permitir o instituo sujeito a resposta aos seus próprios problemas.

«Há toda uma necessidade de os países africanos investirem na ciência, investir na tecnologia, enfim, investir em educação para que tenham recursos humanos com capacidade não só para explorarem os recursos da sua disposição, mas também para fazer as melhores escolhas sem ficarem muito na questão da dependência».

-Carlos Cambuta

TSW: Por onde acha que deve começar uma ONG do Norte Global que queira levar a sério a reflexão sobre a descolonização e a despatriarcalização do seu trabalho?

C.C.: Na educação, no empoderamento das comunidades, no desenvolvimento da cultura da cidadania, através da promoção de uma série de ações, de educação cívica, que possa permitir aos cidadãos terem habilidades, terem conhecimentos para poderem explorar os recursos a sua disposição para poderem dialogar com sou o seu superior, casos os governos, e por via disso, saber efetivamente ande deve alocar os recursos que tem. Portanto, o problema de África não é a falta de recursos financeiras. Problema de África tem haver exatamente com a necessidade de ter capital humano crítico sobre o seu contexto e de elevar o nível de consciência africana, no que diz respeito à necessidade de promover o desenvolvimento a partir dos recursos locais e entenderem a cooperação para o desenvolvimento, na lógica de complementar o que os países africanos, estiverem a precisar, e não tanto no sentido de estar sobre a dependência da comunidade internacional.

TSW: A cooperação Sul-Sul, como pode continuar a ser promovida, os movimentos sociais brasileiros estão a colaborar com outros em Moçambique ou Angola… o que podemos aprender com estas experiências?

C.C.: De facto, Brasil tem estado a ser uma referência porque tem a sua própria agenda e procura partilhar essa sua agenda com os países de expressão de língua portuguesa. Uma das pessoas que os demais países africanos em particular de expressão portuguesa podem aprender é compreender a necessidade de desenvolver uma agenda com objetivos a curto, médio e longo prazo e que está agenda seja implementada com engajamento neto de todas as organizações da sociedade civil que de facto seja uma agenda que reune consenso sobre questões estruturante.

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